CRONICA
A criação dos “governos de coalizão”, última invenção do capitalismo de gestão neoliberal, incorporou a apropriação dos recursos públicos, por meio da corrupção, do superfaturamento e da espúria relação entre publico e privado. Este novo tipo de gestão governamental trás embutido um rebaixamento da identificação ideológica ou partidária.
A gestão de resultados e o pragmatismo das urnas não comportam partidos ideológicos, pois as contradições tendem a se revelar mais profundas e insolúveis. Vários são os exemplos tanto na política nacional como nos países sul-americanos onde partidos de tendências de esquerda se encontram em dificuldades diante das políticas executadas por seus executivos.
O “governo de coalizão” reflete uma perda de confiança na possibilidade de alterar o modelo capitalista, uma retroação das utopias modernas e a valorização absoluta da ideia de que é necessário ganhar o poder político para alterar o modelo.
Seguindo este pensamento e a baixa mobilização social os partidos programáticos preferem garantir a vitória nas urnas em detrimento dos seus programas fundantes. Por detrás desta atitude contraditória existe um receio de perder as eleições e a crença de que quanto mais ampla a aliança partidária maior a possibilidade de captar votos. Esta opção não diferencia partidos “consequentes” dos de aluguel. Dessa forma, o candidato ou a candidata eleita como chefe de governo se compromete com o fisiologismo, mas não respondem pelos seus desmandos.
As chapas “puro sangue” ou a coalização de poucos partidos que prevaleceram durante a primeira década pós-1985, deram lugar a alianças partidárias com número excessivo de partidos. Esta prática contribuiu para minar a baixa coloração ideológica dos partidos transformando-os em departamentos burocráticos, com pouca responsabilidade republicana.
Os desmandos de um “governo de coalizão”, poucas vezes, são de responsabilidade do/a presidente da República ou chefe de governo. A corrupção não é uma fatura que se cobra do Palácio do Planalto. O cargo do renunciante é do partido que compõe a coalizão, não do Presidente.
A aliança da Dilma&Temer “Para Brasil seguir Mudando”, foi composta de dez partidos: PT, PMDB, PRB, PDT, PTN, PSC, PR, PTC, PSB e PCdoB. A coalizão do Serra&Índio “O Brasil pode Mais” se compôs de sete partidos: DEM, PSDB, PTB, PPS, PMN e PTdoB. Há uma máxima política de que há uma aliança para vencer e outra para governar. Mas, as confidencias de bastidores durante a campanha cria uma cumplicidade que é difícil de romper após da vitória.
Para manter a arquitetura dominante da era do capitalismo pós-industrial criaram-se esses mal explicados “governos de coalizão”. Uma invenção que visa acabar com os partidos ideológicos. Intenta retirar do cenário político a concepção de luta de classes. Esta manobra dos ideólogos do fim da história é uma tentativa frustrada de resolver a contradição entre capital e trabalho, por meio de um artifício de gestão eleitoral. Nesta nova moda de gestão os partidos de aluguel voltaram a ocupar lugar no Estado ao se infiltrarem nas amplas alianças que se formam às vésperas das eleições.
Carlos Guilherme Motta escreveu que a geração dos anos 70 vislumbrava um futuro melhor, pelo menos “liberal-democrático decente”, mas “não esperávamos que viéssemos a desembarcar em uma república de aspones pendurados no Estado”. O “governo de coalizão” repudia a democracia plena e recepciona os neolobistas. Por isso, uma das responsabilidades da sociedade civil é combater este tipo de governo e recuperar a responsabilidade do Executivo sobre os rumos das políticas públicas e da ética republicana.
Os partidos e suas coalizões estão sendo ultrapassados pela história e precisam se atualizar e voltar a debater com a sociedade os seus programas de partido e de governo. As instituições democráticas não estão correspondendo às necessidades da sociedade e, assim, estamos transitando por um período pós-institucional onde é preciso reformular a estrutura e as funções do Estado.
O sociólogo português, Boaventura de Sousa Santos, declarou que está surgindo um novo desafio de articulação política europeia. Até então havia uma relação entre partidos+movimentos sociais organizados. Agora, setores sociais não organizados entraram em cena, como os “indignados” na Espanha, as passeatas e marchas convocadas por meio da internet, twiter, facebook, e ouros meios, sem nenhuma dependência de partido ou instituição. Estas novas formas de mobilizações extrainstitucionais pressionam os governos de fora para dentro. Assim, é necessário, igualmente, rever os conceitos de sociedade politizada e não politizada.
Estas manifestações que estão ocorrendo nos países centrais do capitalismo começam a chegar aos países periféricos, como o Brasil.
As contradições do modelo capitalista não estão encontrando saídas satisfatórias ao próprio capital. Se os partidos políticos não encontrarem uma alternativa pós-capitalista entrarão em uma via de fracasso abrindo caminho aos partidos de direita ou conservadores que aprofundarão o neoliberalismo. Esta política que restringe os direitos humanos e empobrece a população tende a radicalização dos protestos que serão combatidos de forma repressiva pelas instituições repressivas do Estado.
Edélcio Vigna, assessor do Inesc, Historiador e Cientista Político.