Paraenses divididos com a criação dos estados de Carajás e Tapajos


Proposta de dividir o Pará em três Estados é acusada de ser inviável economicamente e servir a interesses políticos, mas defensores de Tapajós e Carajás acreditam que separar é a solução para a situação de abandono no interior do Estado.
Na campanha para dividir o Estado do Pará em três novas unidades da federação, só se fala em união. O jingle da campanha, composto pelo publicitário Duda Mendonça, dá o tom, e diz que os Estados são unidos como uma família, mas que “um dia todo filho cresce, um dia chega a hora da emancipação”. A possibilidade da divisão do Estado – ou da “emancipação dos filhos” – gera polêmica entre os paraenses, e cria uma situação inédita no país: será a primeira vez que um Estado pode ser criado nas urnas, pela decisão soberana da população.
O plebiscito, que está previsto para 11 de dezembro, foi aprovado em maio no Congresso. Primeiro, os eleitores votarão se concordam com a criação do Estado do Tapajós, na porção oeste do Estado, com capital em Santarém; depois, com a separação de Carajás, no sul, com capital em Marabá. Na região do Tapajós, o anseio pelo novo Estado é antigo. Lideranças da região, como o vereador de Santarém Reginaldo da Rocha Campos (PSB-PA), datam a militância pela divisão no século XIX. Há pouco mais de 20 anos, na Constituição de 1988, Tapajós quase foi criado junto com o Tocantins, mas a proposta foi descartada. O movimento em Carajás é um pouco mais recente, capitaneado pelo setor econômico emergente da mineração e pecuária. Na defesa pelo Pará unido, políticos de Belém se organizam contra a divisão.
A distância, física e política, é o principal argumento usado por aqueles que querem se separar. Santarém, por exemplo, está a 800 km de distância de Belém, mas por rodovia pode chegar a 1300 km, praticamente a mesma distância entre o Rio de Janeiro e Porto Alegre. “Estamos muito longe da capital. A grande maioria da população não tem mais uma cultura estritamente ligada a Belém”, diz Campos. “Queremos um governo presente, não um governo que vem a cada seis meses para a região”. A tese da ausência de governo é um dos argumentos mais persuasivos para a população local. Existe uma sensação de abandono no interior do Pará, confirmada por péssimos índices sociais. Mas para o deputado estadual Celso Sabino (PR-PA), um dos parlamentares que atua na frente contra a divisão, esse argumento não se sustenta. “Distância dos municípios não é uma justificativa plausível. Mesmo nos municípios próximos de Belém, e na própria capital, enfrentamos problemas de saúde, segurança, educação. Com a divisão, alguns indicadores que já são ruins vão ficar ainda piores”.
Ainda não existem estudos sobre os impactos da divisão na região. Os dados mais atuais são do Instituto de Desenvolvimento Econômico do Pará (Idesp). O órgão publicou um estudo chamado “Retrato da divisão do Estado”, que separa os indicadores existentes pelas três regiões. O relatório mostra que, economicamente, o novo Pará seria o mais forte dos três Estados, reunindo 56% do Produto Interno Bruto (PIB) atual. Carajás ficaria com 33% e Tapajós, com 11% do PIB. Nos indicadores sociais, a situação não é boa para nenhuma das regiões, sejam unidas ou separadas. De acordo com o Idesp, tanto o novo Pará quanto Carajás e Tapajós têm as piores notas do Ideb, índice que avalia a qualidade da educação básica. Na saúde, há déficit de leitos hospitalares nas três regiões, e o índice de assassinatos é altíssimo em Carajás: 55 homicídios por 100 mil habitantes, mais do que o dobro da média nacional. Mas os péssimos indicadores são usados como argumento entre os que querem a divisão, uma vez que os militantes dos novos Estados acreditam que isso é resultado da dificuldade do governo paraense em atender às demandas do interior do Pará.
Os exemplos de Tocantins e Mato Grosso. E também do Amapá…
Na campo de batalha dos argumentos, o exemplo dos Estados que foram desmembrados no passado mais recente é predominante. Na Constituição de 1988, Tocantins foi separado de Goiás, tornando-se o Estado mais novo da federação. “Em 1988, todos diziam que a separação de Goiás e Tocantins seria prejudicial, mas hoje o Estado é um dos que mais crescem no país”, diz Reginaldo Campos. Segundo o IBGE, o Tocantins foi o Estado que mais cresceu durante o período de 2002-2008, com uma taxa de 47%. A variação também foi alta no “Estado-mãe” Goiás, que teve 34%, e ambos cresceram mais que a média nacional (27%). No período mais amplo (1995-2008), o Estado com a economia que mais acelera é Mato Grosso, outro “estado-mãe”, que foi separado do Mato Grosso do Sul durante o regime militar.
Segundo o deputado Giovanni Queiroz (PDT-PA), um dos principais defensores da separação de Carajás, o Tocantins é um caso exemplar de como a criação de um Estado pode melhorar os indicadores sociais de uma região. “Hoje o Tocantins tem 42 faculdades, 5 só de medicina. No Carajás, não tem nenhuma faculdade de medicina. No Pará só tem 3. Tocantins já tem 13 faculdades de direito. São oportunidades para a população pobre da região, que antes da criação do Estado era apenas um cinturão de miséria de Goiás”. Queiroz também afirma que os índices de violência eram altos antes do Tocantins ser emancipado, em uma situação semelhante com a que Carajás vive hoje.
O argumento não convence os contrários à divisão. Para Sabino, a comparação não é relevante, porque Tocantins e Goiás têm realidades muito diferentes do Pará. Além disso, não existiria nada que comprovasse que a mera divisão poderia ser benéfica. “Eles se referem ao Tocantins como um exemplo de sucesso da separação. Mas veja o Amapá. Também se separou do Pará, e nem por isso está melhor”.
Segundo o economista do Ipea Rogerio Boueri, a criação de uma unidade federativa pode de fato trazer crescimento econômico, uma vez que traz recursos para a região, mas essa é uma solução muito cara, já que o Estado passa a depender de dinheiro da União. “Foi o que aconteceu com o Tocantins. O Estado recebeu por dez ou quinze anos recursos da União para manter a máquina pública, o que impulsionou esse crescimento”.
Guerra de números
Boueri desenvolveu, em 2008, um estudo a pedido da Câmara dos Deputados sobre o impacto que propostas de divisões de Estados teria para o orçamento da União – hoje tramitam no Congresso projetos de lei que criariam 16 novos Estados ou territórios federais, e a decisão no Pará pode se tornar um modelo para essas propostas. Quando o plebiscito foi aprovado, o economista atualizou os números e calculou que a criação de Carajás e Tapajós é economicamente inviável. A publicação dos dados colocou lenha numa polêmica por si só explosiva. O estudo passou a ser fortemente atacado pelos separatistas, e defendido a unhas e dentes pelos os que são contra a separação.
“Calculamos PIB, população, tamanho do Estado, quantidade de municípios. Para a burocracia, fizemos uma estimativa de quanto se gasta com base nos Estados existentes. O estudo mostra que Tapajós e Carajás vão nascer deficitários”, explica. Além disso, Boueri levanta a hipótese de que também o Pará, após a separação, pode se tornar deficitário. “Ainda não calculamos o que acontece com o restante do Pará, mas a nossa hipótese é que também será deficitário, porque quando se divide um Estado, o corte na arrecadação é em proporção maior do que o corte nas despesas”. Segundo Boueri, a União precisaria gastar pelo menos R$ 2 bilhões por ano para sustentar a máquina pública após a criação dos novos Estados, um dinheiro que, segundo ele, poderia ser melhor investido se fosse aplicado diretamente nas regiões necessitadas.
Os números do pesquisador do Ipea são fortemente contestados. Pelos cálculos do economista Célio Costa, que assina o estudo de viabilidade econômica de Carajás, o Estado não terá déficit, mas um superávit de cerca de R$ 900 milhões. “Além disso, Carajás terá um PIB de R$ 20 bilhões, que é maior do que o de oito Estados do país. Mas ninguém vai defender que se ‘fechem as portas’ desses Estados”, argumenta. Costa, que agora estuda a viabilidade de Tapajós, vê um descompasso muito grande no sistema federativo brasileiro. “A região Norte está no limbo das prioridades nacionais. A Amazônia tem Estados superdimensionados e municípios gigantescos, como Altamira [160 mil km2, área cem vezes maior que a cidade de São Paulo]. São anomalias. Como administrar isso? A geopolítica brasileira está desequilibrada”.
Representação e interesses políticos
Criar dois novos Estados significa também criar dois novos governadores, seis novos senadores, aumentar o número de deputados federais e criar novos deputados estaduais. Além dos custos e salários desses novos cargos, a mudança preocupa porque muda o equilíbrio do poder entre as regiões do Brasil. Hoje, um político da região Norte precisa de menos votos para se eleger do que um do Sul ou Sudeste. Por exemplo, em Roraima um deputado conseguiu se eleger nas últimas eleições com 5 mil votos. Se esse mesmo político estivesse concorrendo por Minas Gerais, precisaria de no mínimo 40 mil votos. Com a criação de novos Estados, essa diferença vai se aprofundar, e os políticos da região passarão a exercer mais influência no Congresso representando uma população menor.
A mudança também levanta um tema espinhoso, e que deve ser explorado na campanha pelo grupo contrário à divisão: a de que a proposta atende a interesses políticos mais do que ao interesse da sociedade. “Eles estão usando um sentimento real da população – a do abandono – para alimentar essa loucura divisionista. Acontece que dividir não vai resolver o problema da população”, diz o deputado estadual Edmilson Rodrigues (PSOL-PA), da frente contrária à divisão do Pará. O deputado considera que o próprio mapa proposto no plebiscito não foi feito com critérios técnicos ou culturais, e só atende aos interesses econômicos das grandes empresas de mineração, de madeireiros e pecuaristas. “O mapa proposto obedece a critérios do oportunismo. A cidade de Paragominas, por exemplo, deveria ficar em Carajás, mas está no Pará. Por quê? Um político influente da área se posicionou contra a divisão, aí excluíram o município. Qual o critério para essas fronteiras?”, questiona. Celso Sabino também acusa os separatistas de oportunismo ao elaborar o mapa de Carajás e Tapajós. “Acredito que algumas pessoas são até bem intencionadas. Mas tudo indica que são interesses políticos que estão por trás da divisão. O mapa foi feito por lideranças políticas, sem nenhum estudo antropológico. E foi feito assim: ‘essa parte eu quero, isso eu não quero’. Tanto é que Carajás foi buscar um trecho lá no Norte, que é nada mais do que a hidrelétrica de Tucuruí. Algumas jazidas minerais chegam a demarcar o limite de territórios”, critica.
Para criar os Estados, será preciso convencer Belém
Para que os Estados sejam criados, os movimentos pró-Tapajós e pró-Carajás terão uma tarefa difícil: convencer a população do restante do Pará de que essa é uma boa ideia. A Constituição diz que o plebiscito deverá ouvir a “população diretamente interessada” na separação, e o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, na última quarta-feira (24), que a população de todo o Estado poderá votar, e não apenas a das regiões a serem desmembradas. A maior parte da população do Estado (64%) vive no território que ficaria no Pará, e é em Belém o local onde há maior resistência à separação. Uma outra ação corre na Justiça, escrita pelo jurista Dalmo Dallari e apresentada no Congresso pelo senador Eduardo Suplicy (PT-SP). Essa ação defende que a criação de Estados é de interesse de toda a população do país, e portanto o plebiscito deveria ser nacional. A avaliação geral dos envolvidos no debate da divisão do Pará é que ela tem poucas chances de ser aprovada.
O desfecho da votação, por enquanto, é incerto. Poucas pesquisas de opinião tentaram avaliar como a população vai votar. O levantamento mais recente é do Instituto Vox Populi, encomendado pelo jornal paraense O Liberal e publicado em julho. Segundo a pesquisa, 42% dos entrevistados não querem a divisão, contra 37% a favor. Mas a parcela das pessoas indecisas ou ainda sem opinião formada é muito grande (22%). Além disso, a campanha, que começa oficialmente em setembro, pode alterar o quadro atual. Uma mostra de que os ânimos podem se acirrar é o fato de o Tribunal Superior Eleitoral ter decidido enviar tropas nacionais para 14 cidades paraenses no dia da eleição, para garantir a ordem e evitar tumultos. A decisão é bem-vinda, já que são municípios violentos, e o debate, recém iniciado, já é tenso. A polêmica só deve aumentar até dezembro, e é pouco provável que as partes envolvidas se tratem como filhos crescidos de uma família unida.
com informações: Correia Neto.

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Paraenses divididos com a criação dos estados de Carajás e Tapajos
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