O sistema eleitoral brasileiro possui singularidades muito marcantes, notadamente no que se refere ao formato jurídico dos colegiados políticos e sua sistemática partidária. Ao lado das ordinárias e universalmente conhecidas metodologias que conferem arrimo e fundamento de validade aos pleitos eleitorais, com suas não tão compreensíveis regras e disciplinamentos, os partidos políticos ganham proeminência em razão do viés por que é assentado no prisma constitucional.
Sabidamente, as agremiações partidárias são municiadas, a partir das facetas moldadas pela Ordem Jurídica pátria, com forte e evidente autonomia para definição das prioridades e da condução de seus próprios interesses, abrandando consideravelmente o poder de controle externo estatal. Os partidos políticos são, neste diapasão, colegiados ou agrupamentos humanos que ser formam por força da convergência de ideais filosóficas, sociais, culturais e históricas que, fundados no supedâneo legal, respondem pela representação instituída no parágrafo único do art. 1º, da Lei Fundamental republicana.
Segundo a mensagem normativa imprimida na Constituição Federal, destinam-se os partidos à preservação teórica do Estado Democrático de Direito e são os exclusivos organismos hábeis à ascensão a cargos de representação, resguardando-se, em todo o caso e para o livre exercício da atividade, a soberania, o regime democrático, o pluripartidarismo e dos direitos fundamentais da pessoa humana (art. 17, da CF).
Essa é, em síntese, silhueta principal e – é bom que se perceba – o seu crucial dimensionamento revela-se por meio de uma vigorosa força de concentração e de monopólio ideológico dos respectivos partícipes, lastreados em preceitos de fidelidade partidária. E isto, no Brasil, é intensamente notório e cristalino, referendado, inclusive, por entendimentos jurisprudenciais dos Tribunais (O TSE já dirimiu, em 2007, o questionamento levantado quanto à “propriedade” dos mandatos, assentando que os mesmos pertencem privativamente aos partidos, naqueles casos de troca de agremiação).
Com efeito, é a (única) forma por que se podem valer as pessoas com o status de cidadão para a concorrência e ocupação de cargos políticos de caracteres representativos. Trocando em miúdos, apenas e tão-somente pela esteira dos partidos, os cidadãos podem concorrer a mandatos políticos. Privatizam, com a chancela constitucional, o veículo para aquisição da capacidade eleitoral passiva, que é a aptidão jurídica suficiente para ser candidato, observados, por óbvio, os outros requisitos exigidos e preconizados, no contexto, a partir do sistema legal (§ 3º, do art. 14, da CF).
O regime republicano, nos contornos encartados no Ordenamento Jurídico brasileiro, consoa com a igualdade de condições, permitindo a acessibilidade a postos de representatividade popular. Este é, categoricamente, o espírito constitucional, sublinhado pelas tônicas efervescidas das grandes Revoluções Burguesas dos séculos XVI, XVII e XVIII, combatentes então das estruturas rígidas e afrontadoras dos direitos fundamentais. A requisição por amplo acesso à guia nos anseios gerais e coletivos dessa época trouxe a amálgama da atual preceituação partidária, ressalvadas, logicamente, as circunstâncias peculiares do tempo e cada país ou região.
No Brasil, os partidos se distanciam dos autênticos fins, aproximando-se, em contrapartida, a projetos não tão coletivos. Isto põe a concepção ordinária do verdadeiro significado de representatividade a um nível de segunda classificação ou importância, levando consigo, insindicavelmente, os demais correligionários e seus ideais. Tal dominação que se consubstancia, assim, no monopólio e este acaba por justificar decisões privativas de minorias interiores que se refletem como assim fosse o posicionamento personificado pela própria agremiação política.
É cediço, leitor, que a maioria da população em idade e condição de voto não participa diretamente da vida política no país. Para ser candidato, o cidadão precisa preencher requisitos elencados em lei e, dentre eles, a filiação partidária prévia com o mínimo de um ano de antecedência da data do pleito eleitoral (inciso V, do § 3º, do art. 14, da CF, c/c art. 18, da Lei nº. 9.096/95). Como se nota, a alta concentração política dos partidos se externa, mais uma vez, através da exigência da própria lei em determinar previamente a filiação, acompanhada, aqui, de seus desdobramentos advindos da fidelidade ideológica, que restringem ações individualizadas e condenam desvios de pensamento.
Desse modo, o monopólio da representação, denominação esta dada pelos doutrinadores, é albergada pela Carta Magna Constitucional com cujo instrumento o sistema eleitoral o edifica como condição para elegibilidade.
Poder-se concluir, por tais parâmetros, que a inelegibilidade eleitoral é, de fato, regra no sistema (o eleitoralista alagoano Adriano Soares é comentarista nesta matéria) e tal acepção posicionou-se como o propósito firmado no pacto republicano na égide da Assembléia Constituinte de 1988.
Nesta esteira, caso queira concorrer a alguma cadeira eletiva, o amigo leitor deverá ser filiar a partido político, obedecendo ao prazo de antecedência fixado em lei (até o próximo dia 5 de outubro), além dos demais requisitos insculpidos na Constituição Federal, o que vem a legitimar a centralização de poder eleitoral nas mãos das agremiações que delimitam os temas de relevância – particularizados pelos cacifes –, solidificando o ideário filosófico-partidário a ser seguido, em linhas quase sacramentais.
Almeja-se que a continuação das discussões invocadas pelo Congresso Nacional possa incluir, na reforma política atual, a admissibilidade de candidaturas autônomas sem a condicional filiação partidária que hoje tolhe, por imposição de prioridades de meia dúzia de dirigentes, os sonhos daqueles que têm, verdadeiramente, em seus corações e consciências, algo de bom em prol da sociedade, abrindo oportuno espaço para a participação popular através das minorias e dos movimentos sociais e permitindo, enfim, a chance de estes serem representados por cidadãos não assenhoreados por instâncias amesquinhadas.
com informações: Primeira Edição